Luiza Leite (edição e tradução); Cecilia Costa, Tatiana Podlubny (design e ilustração); João Doria de Souza (impressão).
Livro, 12,5 x 21 cm, 16 pp, costurado. Impresso em risografia (até 5 cores) sobre papel Münken Lynx 200 g/m2 (capa) e Münken Pure 120 g/m2 (miolo).
Leia "Sobre 'Toda Poeira da terra'"
– notas de Luiza Leite, ao final desta página.

Scan da impressão risográfica

Ilustrações e separação de cores

Metallic Gold

Yellow

Green

Black

Metallic Gold

Yellow

Fluo Pink

Purple

Metallic Gold

Fluo Pink

Purple

Green

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Purple

Black

Blue

Sobre 'Toda poeira da terra'

A escritora e poeta Ursula K. Le Guin chama de “erro existencial” a experiência perceptiva limitada de grande parte dos seres humanos. Segundo Le Guin, há múltiplas formas de vivenciar a vida na terra e nossa perspectiva centrada no ser humano exclui incontáveis possibilidades. Muita gente acha que seus romances de ficção científica constituem formas de pensar a respeito do futuro, mas para Le Guin a ficção científica não trata do futuro e sim de mundos alternativos. Sua escrita constitui um conjunto de respostas, sempre inconclusas, aos desafios postos pelas questões do presente.
Vivemos uma crise planetária profunda. Tudo parece estar sob ataque, a ciência, a arte, a própria natureza dos fatos e a ideia de uma realidade compartilhada. E nesse contexto, em que a possibilidade de futuro se faz cada vez mais frágil, é preciso prestar atenção às pessoas capazes de imaginar outros mundos. Diz Le Guin: “Vamos querer as vozes dos escritores que enxergam alternativas ao modo como vivemos agora, e que podem ver para além de uma sociedade dominada pelo medo. Precisaremos de escritores que possam se lembrar da liberdade: poetas, visionários e realistas de uma realidade ampliada. A resistência e a mudança começam com a arte e com muita frequência com a arte das palavras”. 
Tendo em vista a consistência do trabalho de Le Guin em apontar saídas para as formas viciadas de lidar com a crise atual, traduzi alguns de seus poemas, publicados em livros como 'The Wild Girls', 'Hard Words' and 'Other Poems', e 'So Far So Good'.
Le Guin é mais conhecida no Brasil por sua obra de ficção científica e mais recentemente pelo ensaio A Teoria da Bolsa da Ficção (The Carrier Bag Theory of Fiction). Neste texto, ela esboça um paradigma de escrita que se distancia da figura do herói, que tem dominado as narrativas há séculos. Em vez da conquista e da violência, Le Guin elege a bolsa como imagem central do trabalho literário. A autora propõe um modo de narrar mais próximo da ação de coleta, o que a princípio reuniria miudezas muitas vezes desprezíveis à luz dos grandes feitos do herói. Le Guin mostra nesse ensaio que seus livros de ficção científica se aproximam da coleta uma vez que são repletos de detalhes, enredos em que nada acontece e expedições que fracassam.
A voz nos poemas de Le Guin com frequência se mistura com outras vozes e formas de vida. Sua profunda admiração pelo mundo e suas criaturas aparece em diversos poemas e resulta em uma crítica indireta aos modos de exploração dos recursos naturais e dos seres vivos da Terra. É preciso reaprender nosso estar no mundo e isso envolve não apenas reconhecer nosso parentesco uns com os outros, como também fazer alianças com as múltiplas formas de vida:
Para sermos precisamos saber que o rio 
acolhe o salmão e o oceano 

acolhe a baleia com a delicadeza 
com a qual o corpo acolhe a alma 
no tempo presente, no tempo presente.
Estabelecer modos visionários de relação que permitam a compreensão de que as ações não se dão em uma única direção, mas são multidirecionais, envolve um esforço de imaginação constante. Nos seus poemas, Le Guin apresenta uma forma de pensar em que o “eu” se expande para se conectar a modalidades interestelares de existência:
A parte deste ser que é pedra,
a parte deste corpo que é estrela,
ultimamente sinto-as almejando voltar 
a ser o que são.
Le Guin também estabelece uma relação muito singular com a ancestralidade e a infância em sua produção. A autora propõe a criação de pontes inesperadas entre o mais ínfimo, como um grão de sal, e o mais gigantesco, como uma estrela. Sua escrita cria conexões entre diferentes idades, eras e seres. É um antídoto contra a distopia, uma afirmação da capacidade de tecer elos entre experiências de naturezas diferentes:
Estou tão distante dos meus ancestrais agora
que me sinto mais como um deles
do que sua descendente. O tempo chega
de um modo corporal que não entendo. A idade se desenrola
e se finge de ouroboros. Eu a única filha
sempre fui uma avó microscópica,
rindo de tudo, sem compreender, 
sem ser compreendida.
Para Le Guin, escrever é sobretudo saber ouvir a própria voz. Diz a autora: “Eu ouço o que eu escrevo. Sempre ouvi o que escrevo em minha mente. Há um teor teórico em muitos tipos de escrita, mas se a criação está acontecendo dentro do seu corpo, você vai encontrar a cadência certa.” Traduzir Le Guin é de algum modo se pôr em posição de escuta das múltiplas vozes que se entrelaçam em seus poemas, abrir uma brecha, oferecer um respiro, ultrapassar as fronteiras do próprio pensamento.

Luiza Leite

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